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domingo, 9 de fevereiro de 2014

Consumo de fast-food e emagrecimento de forma saudável: é possível?

* Texto elaborado pelo depto. científico da VP Consultoria Nutricional

Em Janeiro, o site da revista Exame publicou uma matéria com o seguinte título: “Homem perde 17 quilos comendo só McDonald’s por 3 meses - Equilibrando nutrientes e fazendo exercícios, professor americano mostrou que é possível ser saudável mesmo consumindo apenas fast-food”. Com uma foto de um dos sanduíches mais famosos do mundo, e outra imagem com o antes e o depois da dieta com produtos da conhecida rede de fast-food, a matéria inicia chamando a atenção dos leitores ao dizer que o professor de ciências americano John Cisna, da cidade de Ankenky (Iwoa, Estados Unidos), provou que, para ser saudável, uma alimentação equilibrada juntamente com a prática de exercícios físicos é o suficiente, mesmo com o consumo diário de fast-food. O experimento, que virou documentário, foi conduzido pelo professor com o auxílio de 3 alunos, sendo caracterizado por um programa nutricional com duração de 3 meses, incluindo 3 refeições diárias totalizando até 2000 calorias (relatado que a quantidade de macronutrientes foi próxima à recomendada por médicos e nutricionistas). O professor consumiu apenas produtos da rede de fast-food, como saladas, sorvete, batatas fritas e sanduíches, e iniciou a prática diária de caminhada com duração de 45 minutos, alterando sua rotina sedentária. Ao final do estudo, o professor obteve redução de, aproximadamente, 17kg, juntamente com diminuição dos níveis de colesterol total e frações.



Algumas indagações importantes devem ser levantadas: É possível uma dieta ser considerada equilibrada com produtos de fast-food consumidos 3 vezes ao dia? Como eram os hábitos alimentares do professor antes do início do estudo? Quão maior era o consumo energético? Qual o impacto do início da prática de atividade física sobre os resultados? Também foi considerado o equilíbrio de micronutrientes? Foram avaliadas as possíveis deficiências nutricionais neste período? Além da perda de peso, houve melhora de alguns parâmetros clínicos em 3 meses. Mas em longo prazo, como seria a variação destes resultados?

Assim, podemos verificar que diversos dados da metodologia do estudo não foram expostos ou não foram avaliados, sendo, assim, insuficientes para justificar adequadamente a interpretação dos resultados apresentados pela matéria, gerando dúvidas se os mesmos persistirão ao longo do tempo e quais as consequências adversas em longo prazo.

Neste sentido, é possível encontrar na literatura científica alguns estudos que avaliaram os efeitos do consumo de fast-food por um maior período de acompanhamento, como uma pesquisa publicada pelo European Journal of Clinical Nutrition, que investigou a ocorrência de síndrome metabólica (combinação de fatores de risco para doenças cardiovasculares) como consequência do consumo de fast-food, após 3 anos de seguimento. A pesquisa, realizada com 1476 adultos iranianos com idade entre 19 e 70 anos, encontrou que o maior consumo de fast-food foi correlacionado com maior risco para síndrome metabólica, elevação nos níveis séricos de triglicerídeos e da relação triglicerídeos/HDL, maior relação cintura/quadril e menor consumo de alimentos ricos em fitoquímicos ou fibras.

Resultados semelhantes foram evidenciados em outro estudo, que avaliou dados de 1944 adultos durante 2 anos. Foi observado que a ingestão de fast-food se relacionou significativamente com redução na ingestão de vegetais, frutas, carotenoides, fibras, ácido fólico e cálcio; maior IMC, circunferência de cintura e níveis sanguíneos de triglicerídeos; e maior risco para formação de placas de ateroma, indicando que o consumo deste tipo de alimentação pode ser relacionado a uma ingestão dietética de baixa qualidade e a fatores de risco cardiovascular.

Reforçando estes resultados, outras pesquisas publicadas em revistas científicas, que também envolveram diversos participantes, encontraram que a ingestão habitual de fast-food pode ocasionar aumento de peso, estresse oxidativo, baixa ingestão de frutas e vegetais, deficiências nutricionais, aumento de gordura abdominal e elevação dos níveis de insulina e glicose sanguíneos.

Assim, conseguimos verificar a complexidade que envolve o consumo deste tipo de alimentação, que pode oferecer diversos riscos à saúde, como doenças crônicas não transmissíveis, que incluem hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e até mesmo câncer. Portanto, dietas focalizadas apenas no consumo de calorias para o emagrecimento possuem baixa qualidade nutricional, sendo ricas em gorduras, açúcares e aditivos químicos e pobres em vitaminas, minerais e compostos bioativos, os quais são essenciais para o bom funcionamento do organismo e, consequentemente, para a perda de peso e prevenção de doenças.

Além disso, já foi mostrado em estudos científicos que o total de calorias consumidas e utilizadas pelo corpo não é o único fator capaz de regular o peso ou a concentração de gordura corporal. Fatores genéticos, hormonais e gastrointestinais exercem um papel fundamental na manutenção da saúde e do peso e sabe-se que todos estes fatores podem ser modulados pela alimentação, de forma positiva ou negativa.

A atividade física também pode exercer um importante impacto sobre a composição corporal, pois influencia diretamente o gasto de energia diário. Um estudo mostrou que a prática de atividade física em indivíduos sedentários ocasionou redução de gordura visceral e melhora da sensibilidade à insulina independentemente da restrição de calorias.  Outro estudo encontrou que a prática de atividade física pode auxiliar na perda de peso e na aderência à dietas com restrição de calorias. Em mulheres sedentárias na pós-menopausa, a prática de caminhada sem mudanças na dieta possibilitou melhora na composição corporal. Já idosos obesos sedentários que iniciaram a prática de atividade física apresentaram maior perda de gordura corporal em relação aos que permaneceram sedentários. Dessa forma, considerando os malefícios dos produtos de fast-food já apresentados anteriormente, seria possível que os resultados obtidos pelo professor sejam, em parte, uma consequência desta mudança em sua rotina sedentária.

Portanto pode-se concluir que a matéria em questão teve forte apelo à possibilidade de perda de peso com o consumo de fast-food, o que pode induzir o leitor a acreditar que com este tipo de alimentação, juntamente com a prática de atividade física, é possível reduzir o peso corporal de maneira saudável. Todavia, não foram considerados os diversos e importantes contrapontos envolvidos. Temos que ter muita cautela com notícias de alimentação e saúde publicadas nos diferentes meios de comunicação, pois não existem dietas milagrosas, mas sim, planos alimentares individualizados elaborados por nutricionistas, que, seguidos com determinação e objetividade, proporcionam o equilíbrio do organismo e a perda de peso com saúde plena.

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