* Texto elaborado pelo depto. científico da VP Consultoria Nutricional
Em Janeiro, o site da revista Exame publicou uma matéria com o
seguinte título: “Homem perde 17 quilos comendo só McDonald’s por 3
meses - Equilibrando nutrientes e fazendo exercícios, professor
americano mostrou que é possível ser saudável mesmo consumindo apenas
fast-food”. Com uma foto de um dos sanduíches mais famosos do mundo, e
outra imagem com o antes e o depois da dieta com produtos da conhecida
rede de fast-food, a matéria inicia chamando a atenção dos leitores ao
dizer que o professor de ciências americano John Cisna, da cidade de
Ankenky (Iwoa, Estados Unidos), provou que, para ser saudável, uma
alimentação equilibrada juntamente com a prática de exercícios físicos é
o suficiente, mesmo com o consumo diário de fast-food. O experimento,
que virou documentário, foi conduzido pelo professor com o auxílio de 3
alunos, sendo caracterizado por um programa nutricional com duração de 3
meses, incluindo 3 refeições diárias totalizando até 2000 calorias
(relatado que a quantidade de macronutrientes foi próxima à recomendada
por médicos e nutricionistas). O professor consumiu apenas produtos da
rede de fast-food, como saladas, sorvete, batatas fritas e sanduíches, e
iniciou a prática diária de caminhada com duração de 45 minutos,
alterando sua rotina sedentária. Ao final do estudo, o professor obteve
redução de, aproximadamente, 17kg, juntamente com diminuição dos níveis
de colesterol total e frações.
Algumas indagações importantes devem ser levantadas: É possível uma
dieta ser considerada equilibrada com produtos de fast-food consumidos 3
vezes ao dia? Como eram os hábitos alimentares do professor antes do
início do estudo? Quão maior era o consumo energético? Qual o impacto do
início da prática de atividade física sobre os resultados? Também foi
considerado o equilíbrio de micronutrientes? Foram avaliadas as
possíveis deficiências nutricionais neste período? Além da perda de
peso, houve melhora de alguns parâmetros clínicos em 3 meses. Mas em
longo prazo, como seria a variação destes resultados?
Assim, podemos verificar que diversos dados da metodologia do estudo
não foram expostos ou não foram avaliados, sendo, assim, insuficientes
para justificar adequadamente a interpretação dos resultados
apresentados pela matéria, gerando dúvidas se os mesmos persistirão ao
longo do tempo e quais as consequências adversas em longo prazo.
Neste sentido, é possível encontrar na literatura científica alguns
estudos que avaliaram os efeitos do consumo de fast-food por um maior
período de acompanhamento, como uma pesquisa publicada pelo European
Journal of Clinical Nutrition, que investigou a ocorrência de síndrome
metabólica (combinação de fatores de risco para doenças
cardiovasculares) como consequência do consumo de fast-food, após 3 anos
de seguimento. A pesquisa, realizada com 1476 adultos iranianos com
idade entre 19 e 70 anos, encontrou que o maior consumo de fast-food foi
correlacionado com maior risco para síndrome metabólica, elevação nos
níveis séricos de triglicerídeos e da relação triglicerídeos/HDL, maior
relação cintura/quadril e menor consumo de alimentos ricos em
fitoquímicos ou fibras.
Resultados semelhantes foram evidenciados em outro estudo, que
avaliou dados de 1944 adultos durante 2 anos. Foi observado que a
ingestão de fast-food se relacionou significativamente com redução na
ingestão de vegetais, frutas, carotenoides, fibras, ácido fólico e
cálcio; maior IMC, circunferência de cintura e níveis sanguíneos de
triglicerídeos; e maior risco para formação de placas de ateroma,
indicando que o consumo deste tipo de alimentação pode ser relacionado a
uma ingestão dietética de baixa qualidade e a fatores de risco
cardiovascular.
Reforçando estes resultados, outras pesquisas publicadas em revistas
científicas, que também envolveram diversos participantes, encontraram
que a ingestão habitual de fast-food pode ocasionar aumento de peso,
estresse oxidativo, baixa ingestão de frutas e vegetais, deficiências
nutricionais, aumento de gordura abdominal e elevação dos níveis de
insulina e glicose sanguíneos.
Assim, conseguimos verificar a complexidade que envolve o consumo
deste tipo de alimentação, que pode oferecer diversos riscos à saúde,
como doenças crônicas não transmissíveis, que incluem hipertensão,
diabetes, doenças cardiovasculares e até mesmo câncer. Portanto, dietas
focalizadas apenas no consumo de calorias para o emagrecimento possuem
baixa qualidade nutricional, sendo ricas em gorduras, açúcares e
aditivos químicos e pobres em vitaminas, minerais e compostos bioativos,
os quais são essenciais para o bom funcionamento do organismo e,
consequentemente, para a perda de peso e prevenção de doenças.
Além disso, já foi mostrado em estudos científicos que o total de
calorias consumidas e utilizadas pelo corpo não é o único fator capaz de
regular o peso ou a concentração de gordura corporal. Fatores
genéticos, hormonais e gastrointestinais exercem um papel fundamental na
manutenção da saúde e do peso e sabe-se que todos estes fatores podem
ser modulados pela alimentação, de forma positiva ou negativa.
A atividade física também pode exercer um importante impacto sobre a
composição corporal, pois influencia diretamente o gasto de energia
diário. Um estudo mostrou que a prática de atividade física em
indivíduos sedentários ocasionou redução de gordura visceral e melhora
da sensibilidade à insulina independentemente da restrição de calorias.
Outro estudo encontrou que a prática de atividade física pode auxiliar
na perda de peso e na aderência à dietas com restrição de calorias. Em
mulheres sedentárias na pós-menopausa, a prática de caminhada sem
mudanças na dieta possibilitou melhora na composição corporal. Já idosos
obesos sedentários que iniciaram a prática de atividade física
apresentaram maior perda de gordura corporal em relação aos que
permaneceram sedentários. Dessa forma, considerando os malefícios dos
produtos de fast-food já apresentados anteriormente, seria possível que
os resultados obtidos pelo professor sejam, em parte, uma consequência
desta mudança em sua rotina sedentária.
Portanto pode-se concluir que a matéria em questão teve forte apelo à
possibilidade de perda de peso com o consumo de fast-food, o que pode
induzir o leitor a acreditar que com este tipo de alimentação,
juntamente com a prática de atividade física, é possível reduzir o peso
corporal de maneira saudável. Todavia, não foram considerados os
diversos e importantes contrapontos envolvidos. Temos que ter muita
cautela com notícias de alimentação e saúde publicadas nos diferentes
meios de comunicação, pois não existem dietas milagrosas, mas sim,
planos alimentares individualizados elaborados por nutricionistas, que,
seguidos com determinação e objetividade, proporcionam o equilíbrio do
organismo e a perda de peso com saúde plena.
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