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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Cremes Vegetais e Margarinas: diferenças, semelhanças e seu papel na alimentação


A margarina foi inicialmente desenvolvida em 1869, como um substituto da manteiga, pelo químico francês Hippolyte Mege Mouries. Atualmente, tanto os cremes vegetais quanto as margarinas são produtos presentes na alimentação diária da população brasileira, além de serem também utilizados como ingredientes pela indústria alimentícia. 
Ambos os produtos caracterizam-se por uma emulsão de óleo em água, mistura imiscível que necessita de emulsificantes especiais para ser estabilizada, adotando a consistência e estrutura adequadas. As diferenças entre esses dois tipos de produto se dão, principalmente, por especificações regulatórias definidas na legislação sanitária vigente. Os cremes vegetais são definidos, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), como produto em forma de emulsão plástica ou fluida, constituído principalmente de água e óleo vegetal e ou gordura vegetal, podendo ser adicionado de outro ingrediente. As margarinas, por outro lado, são regulamentadas pelo Ministério da Agricultura, sendo definidas pelo mesmo órgão como produto gorduroso em emulsão estável com leite ou seus constituintes ou derivados, e outros ingredientes, destinados à alimentação humana com cheiro e sabor característico, sendo que a gordura láctea, quando presente, não deverá exceder a 3% m/m do teor de lipídios totais. Em linhas gerais, pode-se concluir que as margarinas diferem dos cremes vegetais por seu conteúdo lácteo, mesmo sendo esse relativamente pequeno.
Apesar dessas pequenas diferenças em sua definição, os dois produtos apresentam um processo de produção similar. Os cremes vegetais e as margarinas são produzidos a partir da hidrogenação (parcial ou total) de óleos vegetais líquidos, processo descoberto em 1903 que se caracteriza pela adição de hidrogênio às duplas ligações presentes nesses óleos, na presença de um catalisador, geralmente níquel. Após a hidrogenação, o óleo é primeiramente filtrado e posteriormente branqueado e quelado, para a remoção total do catalisador. Ao final do processo, pode-se obter uma gordura hidrogenada parcial ou totalmente, com consistência característica. (Figura 1)


Um óleo totalmente hidrogenado é obtido quando todas as duplas ligações são saturadas no processo. Do contrário, tem-se a hidrogenação parcial, processo que resulta na formação de ácidos graxos trans. Sendo assim, esse tipo de ácido graxo é encontrado, principalmente, em produtos que utilizam gorduras vegetais parcialmente hidrogenadas em sua composição, como alguns biscoitos, margarinas e produtos de panificação, além de ser naturalmente presente, em pequenas quantidades, em produtos de origem animal como a carne e o leite, uma vez que é também produzida por animais ruminantes.

Quando consumidos em excesso, os ácidos graxos trans podem acarretar em prejuízos à saúde, uma vez que são capazes de não somente elevar os níveis sanguíneos de LDL-colesterol, como também de diminuir os níveis de HDL-colesterol. Devido à crescente preocupação com o impacto nutricional dos ácidos graxos trans na saúde humana, a indústria de alimentos tem adotado, como alternativa à hidrogenação parcial, o processo chamado interesterificação.
A interesterificação consiste na mistura de gorduras totalmente hidrogenadas com óleos vegetais líquidos, resultando em uma mistura livre de ácidos graxos trans. Nesse processo, os ácidos graxos permanecem inalterados, porém ocorre a redistribuição dos mesmos nas moléculas dos triacilgliceróis, resultando na modificação da composição triacilglicerídica, cuja característica final é totalmente determinada pela composição total em ácidos graxos das matérias-primas iniciais. Ou seja, se os óleos que originam a gordura interesterificada possuírem uma boa quantidade de ácidos graxos poliinsaturados, os produtos obtidos com base nessa gordura também a terão.
Por serem obtidos através de processos similares, conforme descrito nos parágrafos anteriores, cremes vegetais e margarinas possuem, também, perfis nutricionais semelhantes. Cavendish et al., em levantamento realizado em 2009 sobre a composição de diversas margarinas e cremes vegetais do mercado brasileiro, concluíram que os produtos feitos a partir de gorduras interesterificadas são mais recomendáveis para consumo, não somente por sua quantidade inferior de gorduras trans como também por seu maior aporte de ácidos graxos poliinsaturados.
Os ácidos graxos poliinsaturados são ácidos graxos essenciais, ou seja, não podem ser produzidos pelo organismo devendo, portanto, ser consumidos por meio da alimentação. Estudos mostram que a substituição de gorduras saturadas por poliinsaturadas pode reduzir em até 24% o risco para doenças cardiovasculares, uma vez que reduzem a relação colesterol total: HDL-colesterol, melhoram a resistência insulínica e diminuem a inflamação sistêmica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um consumo de ácidos graxos poliinsaturados de 6 a 11% do valor calórico total, no entanto, de 83% a 100% da população brasileira não consome esse tipo de gordura em quantidades suficientes.
Uma das maneiras de atingir essa recomendação seria, por exemplo, substituir manteiga por creme vegetal ou margarina, que possuem maior proporção de ácidos graxos poliinsaturados. (Figura 2)


Figura 2. Comparação de quantidades (%) de poliinsaturados em alimentos
Fonte: Adaptação de Dietary Guidelines for Americans, 2010.

Com isso, pode-se concluir que, apesar das pequenas diferenças que definem os dois produtos, cremes vegetais e margarinas são similares no que tange processamento, composição e perfil nutricional. Conclui-se, ainda, que ambos são boas fontes de gorduras poliinsaturadas na alimentação, podendo ser utilizados como substitutos à manteiga e outros alimentos ricos em gorduras saturadas, como parte de uma dieta equilibrada.

Referências:

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Dra. Maria Carla Garcia Leone
Nutricionista Coordenadora da área de Nutrition & Health Care da Unilever Brasil


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